quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

A Venezuela derrete






Ninguém arrisca um número, mas as ruas de Caracas e várias outras cidades venezuelanas encheram ontem de pessoas que entoavam slogans contra o governo de Nicolas Maduro. Aderiram, inclusive, os bairros pobres caraquenhos, tradicionalmente leais ao chavismo. Em meio ao dia tenso, o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, fez o gesto simbólico de jurar a Constituição, como se tomando posse interinamente da presidência. (Vídeo.) E o gesto simbólico disparou o relógio, lançando o país num sério impasse que terá algum desfecho nos próximos dois dias.
Pois foi que, de presto, o presidente americano Donald Trump reconheceu oficialmente Guaidó como presidente. A eleição suspeita de inúmeras fraudes que recolocou Maduro no comando do país já não havia sido reconhecida pelos EUA e quase todos os vizinhos. Na ausência de um presidente, diz a Constituição venezuelana, é o líder da Assembleia quem assume. A decisão americana foi acompanhada por onze outros governos — Brasil, Argentina, Canadá, Colômbia, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru. Como retaliação, Maduro cortou relações diplomáticas com os EUA, dando ordem para que o embaixador e sua equipe deixassem o país em 72 horas. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, recusou-se, lembrando que não vê em Maduro autoridade para tal. Se nada ocorrer antes, Maduro terá de tomar uma decisão sobre o que fará com a Embaixada dos EUA, no final da sexta-feira. Se nada fizer, perde a autoridade que ainda tem. Se ordenar que o Exército a cerque, corre o risco de não ter suas ordens obedecidas. Seu governo está de pé pelo fio de autoridade que consegue manter sobre as Forças Armadas. Caso cerque a Embaixada, provoca militarmente os EUA. É um xadrez de alta tensão.
A chave do conflito está no apoio que Maduro ainda tem das Forças Armadas. O governo vem mantendo uma política de transferências constantes, evitando que os militares construam relações que possam descambar em conspiração. A Guarda Nacional recebeu carta branca para atirar quando considerar necessário, e sua brutalidade exercida criou um lastro passado de abusos aos direitos humanos que, numa mudança de regime, seria investigada. Isto a mantém leal. Segundo o professor Daniel Lansberg, porém, há grande insatisfação nos quartéis. Corre o risco, justamente, de parar de ser obedecido. (Nexo)
Ao menos no que fala, Maduro reagiu com ênfase. “Pode um ‘qualquer’ se declarar presidente ou é o povo que elege o presidente?”, perguntou em discurso. “Aqui não se rende ninguém, aqui não foge ninguém. Aqui vamos à carga. Aqui vamos ao combate. E aqui vamos à vitória da paz, da vida, da democracia.”
O Brasil deu apoio político a Guaidó mas ficará nisso. “O Brasil não participa de intervenção, não é da nossa política externa intervir nos assuntos internos de outros países”, afirmou o vice-presidente Hamilton Mourão. (Estadão)
Galeria: O 23 de enero venezuelano.

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